Raça, Gênero e Classe no Debate Público

Durante quase todo século XX, os conflitos sociais que articulavam política e cognitivamente a ação coletiva eram vistos como expressões das clivagens de classe. Contudo, mesmo que as desigualdades socioeconômicas estejam ainda longe de ser mitigadas ou superadas, o advento dos chamados “novos movimentos sociais”, a crise do modelo de Estado de Bem-Estar e do socialismo real deslocaram os conflitos de classe nos debates públicos, abrindo espaço para discursos críticos ao igualitarismo universalista e simpáticos às chamadas “políticas da identidade”. Tudo isso desestabilizou a centralidade analítica e política da ideia de classe em prol da politização crescente das diferenças, sobretudo aquelas relacionadas ao gênero e à raça.

Especificamente no Brasil, a hegemonia do mito da democracia racial e o disseminado reconhecimento público das nossas profundas desigualdades socioeconômicas deslocou para um segundo plano, ao menos até os anos 1970, as denúncias que apontavam o caráter racista e sexista de nossa estrutura social. Isso começa a mudar paulatinamente durante o processo de redemocratização do país, com a rearticulação dos movimentos negro e feminista, bem como da maior porosidade do Estado e suas autarquias em relação a uma linguagem identitária. Tal processo encontra seu ápice nos anos 1990 e 2000, quando as políticas públicas incorporam raça e gênero como categorias fundamentais para sua operação e, mormente, quando tal léxico migra para os debates públicos e penetram no imaginário social mais amplo.

Tal processo, contudo, não se deu sem suscitar tensões e paradoxos. A desigualdade socioeconômica abissal ainda é uma marca distintiva da estrutura social brasileira e o peso das discriminações raciais e de gênero na sua reprodução parecem bastante complexos. Isto posto, o objetivo do presente curso é analisar e discutir, mesmo que de forma breve, a emergência da chamada “política de identidade” no discurso dos movimentos sociais, nas políticas estatais, nos debates públicos e no imaginário social brasileiro e internacional.

Bibliografia elementar

FRASER, Nancy. Da Redistribuição ao Reconhecimento? Dilemas da Justiça na Era Pós-Socialista. In: SOUZA, Jessé (org.), Democracia Hoje: Novos Desafios para a Teoria Democrática Contemporânea. Brasília, Editora da UnB, 2003.

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HIRATA, Helena. Gênero, classe e raça: Interseccionalidade e consubstancialidade das relações sociais. Tempo Social, vol.26, n.1, pp.61-73, 2014.

GUIMARÃES, Antonio Sérgio. Como trabalhar com “raça” em sociologia. Educação e Pesquisa, vol.29, n.1, pp.93-107, 2003.

CORREA, Sonia. Sexualidade e política da segunda década dos anos 2000: o curso longo e as armadilhas do presente. In: RODRIGUES, Carla; BORGES, Luciana; RAMOS, Tânia (org.), Problemas de Gênero, Rio de Janeiro, Funarte, 2016.