Nota de Pesar: Luiz Werneck Vianna

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Faleceu Luiz Jorge Werneck Vianna. Poucos intelectuais brasileiros dos últimos 100 anos podem equiparar-se a ele em estatura política e intelectual. Nascido em 1938, formado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Werneck Vianna teve uma vida dedicada à militância política e intelectual. Membro de longa data do Partido Comunista Brasileiro (PCB), voltou do exílio, após ter passado pela União Soviética e pelo Chile, ainda nos anos de chumbo da ditadura militar para atuar na defesa da democracia e do socialismo no Brasil. Na verdade, ele foi um dos intelectuais mais importantes na revisão do autoritarismo subjacente à herança stalinista da esquerda brasileira. Manteve-se próximo ao centro democrático cujo papel na democratização do Brasil sempre reputou fundamental, na melhor tradição de defesa da frente democrática contra o regime militar tal qual defendida pelo PCB. Entre outras atividades, Werneck militou no Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC-UNE), clandestinamente no PCB de 1964 a meados de 1985, foi assessor do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, um dos fundadores e editores da Revista Presença, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), professor e pesquisador central na história do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio), onde terminou sua carreira acadêmica.

Werneck Vianna foi diretor-executivo do IUPERJ e presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), granjeando admiração e honrarias em muitos âmbitos políticos e intelectuais.

Sua tese de doutorado junto à Universidade de São Paulo (USP), escrita em 1975 e defendida em 1976, sob a orientação de Francisco Weffort, resultou no seminal e incontornável Liberalismo e sindicato no Brasil, publicado em 1976 pela Paz e Terra e reeditado, com revisões estilísticas, pela Editora UFMG em 1999, ambas as edições com sucessivas tiragens. Trata-se de um clássico das ciências sociais, calcado na sociologia histórica, em um marxismo aberto e na tradição das grandes interpretações históricas do Brasil, de onde se poderiam derivar intuições fundamentais para a política que levaria à democratização do país e, enfim, ao socialismo. Começando, de forma inovadora, com uma leitura de Pashukanis e de sua teoria sobre mercado, contrato de trabalho e liberalismo, e após uma revisão detalhada da sociologia do trabalho no Brasil, o livro mergulha na trajetória do liberalismo e de sua progressiva democratização em confronto com a questão social em nossas terras.

Mas Werneck Vianna tem muitas outras contribuições seminais para o entendimento da formação social brasileira. Uma original interpretação de Gramsci e uma forte contribuição teórica e empírica à análise de conjuntura, na tradição marxista e sobretudo leninista, são outros pontos altos de sua reflexão intelectual, produzida no processo da transição do regime militar à democracia entre os anos 1970 e 1980. Esses textos foram recolhidos em A transição: da Constituinte à sucessão presidencial, publicado pela Revan em 1989. Ele produziu, em particular, uma profunda e inovadora perspectiva a respeito da tradição e trajetória intelectual do Brasil, com atenção para a América Latina, com seus artigos sobre o tema coligidos em A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil, livro publicado pela Revan em 1997. Cintila aí a tese a respeito do processo de transformação brasileiro tendo caráter “molecular”. Posteriormente, dedicou-se ao estudo do judiciário e de seu papel democratizador, publicando, também pela Revan, em 1999, A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (com Maria Alice Rezende de Carvalho, Manuel Palácios e Marcelo Burgos). Trata-se de marco na discussão do tema entre nós. Fez também o papel de editor do volume A democracia e os três poderes no Brasil, publicado pela Editora UFMG, em 2002, onde tem também contribuição de alta relevância. Ambos os livros fruto de pesquisas coletivas desenvolvidas no IUPERJ.

Até seus últimos anos, já trabalhando na PUC-Rio, Werneck Vianna se manteve como comentarista ativo e politicamente motivado da conjuntura brasileira e da democracia no país, publicando com regularidade na imprensa. Seu último livro ainda em vida é A modernização sem o moderno, publicado pela Fundação Astrojildo Pereira, em 2011, mas, analista incansável e prolífico, terá deixado na “gaveta” trabalhos que, esperamos, serão dados a público proximamente por seus colaborados mais próximos.

Solidarizamo-nos neste momento difícil com sua família e seus colegas da PUC-Rio. Sua obra deixará marca indelével no futuro das ciências sociais brasileiras, fonte de pensamento pronta inclusive a ultrapassar nossas fronteiras.

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