Com o falecimento de Gláucio Ary Dillon Soares as ciências sociais perdem um de seus grandes nomes. Não apenas no Brasil, Gláucio se destacou no conjunto da América Latina, assim como nos Estados Unidos, onde lecionou por anos na Universidade da Flórida. Atuou nas três principais frentes que definem a obra de um cientista – na pesquisa, no ensino e na construção institucional. Fundou a moderna análise social e política brasileira ao iniciar sua formação na interface do direito com a sociologia. Muito jovem, já colaborava com Orlando Carvalho na saudosa Revista Brasileira de Estudos Políticos, veículo no qual publica artigos clássicos sobre o sistema político brasileiro do período 1946-64, tais como o problema das alianças e coligações e as bases sociais do voto lacerdista e trabalhista. Sobre o tema, lança, em 1973, Sociedade e Política no Brasil, verdadeira inflexão no estudo das relações entre estrutura social e comportamento político. Na obra, utilizou dados agregados à exaustão, acoplados à teoria e métodos econométricos sofisticados à época. Avançou pelos métodos qualitativos para examinar a questão militar no país e os desafios à transição. Mais recentemente, publicou bibliografia volumosa sobre criminalidade e violência, com ênfase no comportamento da polícia. Trata-se de uma das mais numerosas, variadas e qualificadas contribuições de um cientista social brasileiro.
Como mestre, formou diversas gerações, colegas que hoje atuam de maneira decisiva, sobretudo, nos programas de pós-graduação em sociologia e ciência política no Brasil. Desde cedo, já incentivava estudantes a se despirem do provincianismo e irem estudar no exterior. Coordenou pela FLACSO, ainda na década dos 60, programa de concessão de bolsas para o treinamento em pesquisa no Chile. Ajudou a fundar o primeiro programa de mestrado em ciência política no país, na UFMG. Após seu retorno da Flórida, ministrou cursos e orientou no Instituto de Ciência Política da UnB e, finalmente, no antigo IUPERJ, que depois viria a se tornar o Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), onde encerra a carreira, como professor do Departamento de Estudos Sociais. Gláucio, além disso, teve passagem por diversas Universidades do mundo como professor visitante, sempre deixando sua marca de mestre generoso, entusiasta incansável das novas gerações.
Como construtor de instituições, Gláucio presidiu a Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) em momento decisivo, de institucionalização e consolidação e, logo após, fundou e secretariou a Associação Latino-Americana de Ciência Política (ALACIP). Em suma, seu falecimento deixa um enorme vazio em todos nós. Lutando há muitos anos contra um câncer agressivo, é finalmente atingido pelo flagelo da COVID-19. A comunidade do IESP-UERJ teve o privilégio de contar com sua presença quando decidiu permanecer no Rio de Janeiro. Em fins do século passado, Gláucio procura a diretoria do antigo IUPERJ para compartilhar seu desejo de dar seguimento ao seu ciclo de atuação acadêmica nesta instituição, por ele considerada como o lócus ideal de interlocução científica. Desejo prontamente atendido. A tristeza é certamente grande, mas reconforta saber que Gláucio permanecerá entre nós, em todos os momentos, através das instituições, das e dos estudantes e de sua imensa e brilhante obra.